A interação social limitada aumenta a solidão, que automaticamente está associada a problemas de saúde mental em crianças e adolescentes
No último dia 19/5, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do Projeto de Lei 3.179, de 2012. Nesse caso, o PL regulamenta a prática da educação domiciliar no Brasil, também conhecida como homeschooling. Não por acaso, diversos deputados contrários ao projeto criticaram a aprovação da medida. Afinal, a realização do homeschooling não se reduz a ajudar os filhos a fazerem a lição em casa ou a prestar atenção às videoaulas. Os pais, neste caso, devem ter no mínimo a autonomia e o conhecimento de um professor graduado para suprir a demanda de informações à criança. E obviamente a questão não se limita a isso.
De acordo com um estudo realizado pela Frontiers in Psychology com 1.143 pais de crianças espanholas e italianas (de 3 a 18 anos), o fechamento das escolas durante a pandemia alterou drasticamente a saúde das crianças, tanto os hábitos e comportamentos saudáveis promovidos pela educação convencional (em escola), como a alimentação e o sono equilibrado proporcionados por tal. Por consequência, segundo o estudo, a interação social limitada aumenta a solidão, que automaticamente está associada a problemas de saúde mental em crianças e adolescentes.
Ainda nesse levantamento, 85,7% dos pais perceberam mudanças no estado emocional e no comportamento dos filhos. Os sintomas mais frequentes foram: dificuldade de concentração (76,6%); tédio (52%); irritabilidade (39%); inquietação (38,8%); nervosismo (38%); sentimentos de solidão (31,3%); inquietação (30,4%) e preocupações (30,1%). Por estarem em casa, as crianças acabaram por fazer menos atividades físicas, muito comum nas escolas.
O próprio Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) já se mostrou contrário ao projeto de homeschooling. Entre os apontamentos da entidade, o destaque ficou para a “priorização ao direito de as crianças e adolescentes estarem na escola”.
Chefe de educação do Unicef Brasil, Mônica Dias Pinto destacou que “a escola é fundamental para garantir o direito de crianças e adolescentes à aprendizagem de qualidade, à socialização e à pluralidade de ideias. Além disso, trata-se de um espaço essencial de proteção de meninas e meninos contra a violência”. A socialização reforçada pela executiva faz todo o sentido, uma vez que a escola é o ambiente que promove essa interação entre as crianças – ou seja, desperta tanto o aprendizado como a prática de conviver com a diversidade.
Diversidade, aliás, é o que dá o sentido para a convivência da criança com o mundo exterior. É exatamente compreendendo o diferente, tendo espaço para confrontar ideologias, opiniões e heterogeneidade que a criança cria o senso de solidariedade e respeito. Afinal, uma democracia é desenvolvida justamente a partir de encontros, respeito e convivência com pessoas diversas.
Apesar disso, há situações que realmente o estudo em casa é necessário. Como, por exemplo, crianças que residem em locais remotos ao sistema de educação. Em 2020, por exemplo, segundo a Agência Brasil, mais de 5 milhões de crianças e adolescentes não tiveram acesso às aulas na pandemia. O motivo, nesse caso, foi a dificuldade em acessar a internet e a tecnologia. Em casos como esse, o advento da tecnologia supriria a ausência das idas às escolas. No entanto, é preciso considerar que crianças nesse perfil muito provavelmente não teriam a infraestrutura e suporte familiar para essa prática. Vale destacar que a maior parte desses jovens que não receberam suporte às aulas residem nas regiões Norte e Nordeste, assim como em regiões rurais.
Uma alternativa, por exemplo, seria o ensino híbrido, que alia toda a bagagem dos educadores com a tecnologia – a favor do desempenho e aprendizado das crianças. O corpo docente administra conteúdos, atividades e estimula as usuais pesquisas, enquanto os alunos aproveitam a tecnologia para incentivar o aprendizado. Vale lembrar que esse modelo não dispensa o contato físico e o relacionamento das crianças, a fim de desenvolver valores éticos e morais.
Portanto, ao invés do homeschooling, creio que uma solução híbrida – que absorva o melhor do ensino no meio digital, aliado à bagagem dos profissionais educadores – é o que pode direcionar e transformar os aprendizes de agora em grandes adultos num futuro próximo.
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