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Explicando reconvexo


Explicando reconvexo
Volto
a falar de Reconvexo, essa canção magistral do poeta baiano Caetano Veloso.

Perdi a conta de quantos almoços fiz tendo como fundo musical essa canção, quantos vinhos "tomamos" ao som de Reconvexo

Antes, conto um fato ocorrido na Pousada Enseada das Garças em São Pedro de Aldeia. Conhecemos lá um casal muito simpático de baianos, e logo ficamos "amigos". Muito papo, histórias, estórias e vinhos. Como não poderia deixar de ser, Bahia e baianos famosos; como Amado (Jorge), Castro Alves, Gil, Caetano, Bethânia, etc. E aí já num jantar, veio a minha mente  canção Reconvexo, que  pedi  ao casal  amigo colocar para tocar no celular via spotify.

Explicando reconvexo

Como a letra fala do Recôncavo, eu perguntei sobre o Recôncavo. Para meu espanto eles não sabiam onde ficava, no que dei minha singela contribuição:

O Recôncavo Baiano ou Recôncavo da Bahia é uma área formada por 20 municípios no Estado da Bahia, na região da baía de todos os Santos. Está a cerca de 100 quilômetros de distância da capital Salvador.

Parte da região metropolitana de Salvador também pertence ao Recôncavo. O significado da palavra vem do formato côncavo e da parte, também, côncava, do litoral do Estado da Bahia. Por isso o nome re-côncavo.

Voltemos à canção

Não é novidade que Caetano Veloso escreveu o clássico da música brasileira “Reconvexo” para sua irmã Maria Bethânia gravar. O que pouca gente sabe é que essa canção, assim como tantas outras de Caetano, traz enigmas e críticas a serem decifrados.

Explicando reconvexo

Começamos falando sobre o nome: Reconvexo. O próprio nome da canção já é uma crítica, Caetano (para os íntimos) quis se expressar no sentido de visão de mundo, e principalmente a cerca do Brasil, pois existem pessoas que enxergam situações sob uma lente côncava (do interior de um círculo), e outras sob uma lente convexa (do lado de fora do círculo). Mas, Caetano não para por aí, ele vai lá e coloca o “re” antes das palavras e as resignifica, reinventa, tanto que essa palavra Reconvexo (Aquela na qual qualquer segmento de reta, unindo dois pontos está + próximo do observador que o trecho da curva entre esses dois pontos) Caetano usa para explicar que existem pessoas que além de não conseguirem enxergar nem o interior e nem o exterior das outras pessoas ou situações, jamais conseguiriam ter uma visão mais ampla sobre.

E o autor já começa bagunçando tudo: “Eu sou a chuva que lança a areia do Saara, sobre os automóveis de Roma”. Caetano aqui fala sobre a impetuosa chegada de Bethânia em algum lugar, uma mulher que já chega causando muita confusão, mas também faz menção ao Brasil, principalmente da dificuldade do país em manter tudo nos seus devidos lugares em decorrência da pluralidade. Justamente nesta ocasião Caetano estava em Roma. “Compus para Bethânia gravar. Eu estava em Roma quando um dia acordei e vi os carros empoeirados, todos cobertos de areia”, disse Caetano Veloso sobre o processo de criação de Reconvexo para Sobre as Letras (página 62).

Explicando reconvexo

Na ocasião, Caetano se encontrava desconfortável em relação às críticas escritas pelo jornalista carioca Paulo Francis, ele morava em Nova Iorque e escrevia para um jornal de lá de forma negativa sobre o Brasil e o comportamento da sociedade brasileira, políticos, intelectuais, enfim, de uma forma geral, seus textos eram destrutivos para a imagem do país. E Caetano começa a desfilar as riquezas do país em sua letra e em paralelo fala sobre a sereia, uma figura que faz parte do folclore do país: “Eu sou a sereia que dança a destemida Iara, água e folha da Amazônia”.

“Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra”. Nesse trecho da letra Caetano fala de profundas raízes afro-baianas, uma religiosa chamada Aninha de Afonjá, chamava a baia de Roma Negra por volta de 1930, por encontrar ali uma concentração de negros muito grande, como se a Bahia fosse uma capital de negros fora da África.

“Você não me pega, você nem chega a me ver, meu som te cega, careta, quem é você?”, aqui voltamos a questão de Caetano estar criticando o jornalista e paralelamente falar da falta de visão e tato de muitos estrangeiros com relação às questões profundas do Brasil, como espiritualidade, riquezas naturais, ritualidade e etc. Ele pergunta como se estivesse questionando, quem é você pra falar do meu

Explicando reconvexo

país? Quem é você “que não sentiu o suingue de Henri Salvador, que não seguiu o Olodum balançando o Pelô, que não riu com a risada de Andy Warhol, que não, que não e nem disse que não”, aqui há várias referências, sobre a riqueza cultural do país, mais especificamente da Bahia, Henri Salvador foi um intérprete e compositor francês que se apaixonou pelo Brasil, ele morou em Copacabana e é considerado por muitos como um dos criadores da Bossa Nova. Olodum é um bloco de rua que traz a musicalidade afro em seus tambores, são profissionais da percussão que saem pelas ruas de Salvador, capital baiana, levando seu ritmo. E por último nesse trecho Caetano fala de Andy Warhol, um cineasta que por volta de 1960 levantou a bandeira do movimento pop-art, ele ficou conhecido pelo jeito debochado e pela forma com a qual ironizada as pessoas tradicionais. Caetano ainda menciona o “não”, de muita gente que recebe o novo, o nega, mas no fundo gosta, “e nem disse que não”.

“Eu sou


um preto norte-americano forte, com um brinco de ouro na orelha”, aqui Caetano ironiza o jornalista brasileiro que foi morar fora, falava mal do Brasil, mas usava uma de nossas riquezas naturais, o ouro, na orelha.

E ele também escreve sobre mesclar elementos sonoros das primeiras manifestações musicais brasileiras ao moderno e o divisor de águas que isso iria criar (e criou) na arte nacional. “Eu sou a flor da primeira música, a mais velha, a mais nova espada e seu corte”.

E começa a dar novas referências: “Sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá Gogóia, seu olho me olha mas não me pode alcançar”. Caetano aqui continua falando sobre música, especificamente sobre a de Raul Gil (Gitá), e deseja mostrar que no Brasil, artistas estariam criando e reinventando um novo jeito de fazer música, introduzindo inclusive o rock.

“Não tenho escolha, careta, vou descartar”, essa é (em minha opinião) a melhor parte da letra da canção Reconvexo. Nessa parte, Caetano “surta” e descarta de cara quem não conhece a fundo o Brasil e quer sair falando mal do país aos quatro ventos, então ele tira do hall de suas preferências “Quem não rezou a novena de Dona Canô, quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor, quem não amou a elegância sutil de Bobô, quem não é Recôncavo e nem pode ser Reconvexo”. Vou esclarecer as referências acima mencionadas, Dona Canô dispensa explicações, pois é a mãe de Caetano e Bethânia. Já Joãozinho Beija-Flor, foi um carnavalesco maranhense que revolucionou o jeito de fazer carnaval no Rio de Janeiro, ele trabalhou com diversas Escolas de Samba na capital fluminense. E Bobô, um jogador de futebol do Bahia, que juntamente com a equipe levou o Campeonato Brasileiro de 1988.

Boa noite, para quem chegou até o fim do texto...DSB

Ouça: https://youtu.be/YPO1iaetL2I

 


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