Bolsonaro quer fazer do feriado a liquidação da democracia

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Bolsonaro quer fazer do feriado a liquidação da democracia
Foto: Mauro Pimentel/AFP (via Getty Images)

Sem máscara, Jair Bolsonaro foi a estrela dos atos pró-governo em diversas cidades do país.

De verde e amarelo, os manifestantes pediam intervenção militar, o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e outras excentricidades golpistas.

Não, não venho do futuro.

Descrevo a manifestação de 15 de março de 2020, uma das muitas tentativas do presidente de demonstrar força e apoio popular para transitar sem as amarras de pesos e contrapesos de uma República Federativa.

Os atos daquele dia, realizados há cerca de um ano e meio, ocorreram já sob a sombra da pandemia do coronavírus, declarada pela Organização Mundial da Saúde quatro dias antes. O Brasil fecharia aquele mês 5.812 pessoas contaminadas e 202 mortos.

Nada que fizesse Bolsonaro mudar o roteiro, ancorado no mito de que o governo é liderado por um presidente acorrentado, sem apoio no Congresso, perseguido pelo Supremo Tribunal Federal; um oásis, em outras palavras, de boas ideias e boas intenções cercado por deserto, cactos e comunistas por todos os lados.

O 7 de Setembro de Jair Bolsonaro parece redobrar um calendário de atos e ataques parcialmente suspensos e desidratados por conta da pandemia. Só que dessa vez teve tempo de ser organizado, financiado, alimentado.

Depois de certa tensão, o Brasil ainda era o mesmo em 16 de março de 2020. Bolsonaro seguiu com suas bravatas, seu ataques e ameaças, mas os pedidos de intervenção não foram atendidos por cabos e soldados de plantão. Congresso e STF marcaram, em diversas ocasiões, as fronteiras dos marcos civilizatórios.

Mas, entre atritos, tensões e cordas esticadas, muita coisa degringolou de lá pra cá.

A pandemia, por aqui, se transformou em uma carnificina com quase 600 mil mortos.

Uma CPI precisou ser convocada para investigar mutretas na compra de vacina e na difusão de remédios ineficazes.

Enquanto Bolsonaro brinca de comandos em ação com bonecos de tamanho real, o PIB patina, o desemprego beira os 15 milhões, a inflação bate a casa de dois dígitos, a gasolina está impraticável e uma crise energética, com risco de apagão, está contratada para o verão.

Ainda assim, há uma pequena multidão de apoiadores disposta a ir às ruas pedindo para mandar mais desastre que está pouco. Por quê?

Porque Bolsonaro sabe como poucos alimentar e manipular o ódio em seu favor. Como um prisma capaz dividir a luz em componentes com diferentes polarizações, o bolsonarismo recebe e rebate as responsabilidades por atos e omissões numa narrativa que, aos seus seguidores mais fiéis, serve como uma espécie de Gênesis da Terra Planta brasileira.

Crise econômica? Culpa dos governadores e prefeitos, que tomaram medidas para conter a circulação do vírus e quebraram os pequenos, médios e grandes empreendedores.

Governo ineficaz? Culpa do STF, que “amarrou” as mãos do presidente e seu plano infalível para salvar CNPJ à custa de CPFs e garantiu aos estados e municípios as atribuições asseguradas na Constituição.

Politicamente, Bolsonaro fez da crise sanitária uma oportunidade de angariar apoio de quem foi afetado, economicamente, pelas medidas de restrição. Em troca ofereceu a eles uma arma para matar ou morrer em sua defesa.

O “ultimato”, dessa vez, se deve à reação do STF para barrar ataques promovidos pelas bases bolsonaristas a seus ministros. É a "oportunidade" para uma multidão ir às ruas lamentar a prisão de gente como Roberto Jefferson, ex-deputado condenado no mensalão e que passou a maior parte de seu tempo em liberdade ameaçando, com armas, integrantes da corte e outros adversários.

O Bolsonaro que tenta transformar o 7 de Setembro de 2021 na versão brasileira da Noite dos Cristais já não tem a mesma base popular de março de 2020. Sergio Moro já não é seu superministro. Paulo Guedes já não engana (quase) ninguém. O centrão avançou ao coração de sua gestão.

Mesmo com tantas baixas na plataforma que o alçou à Presidência, Bolsonaro tem conseguido dobrar o comando militar, trocando os atuais comandantes das Forças Armadas por oficiais alinhados, forçou seus generais a mostrar desobediência à lei ao ingressar em palanques políticos, e manteve por perto o apoio de pastores e policiais militares, que prometem comparecer em peso aos atos em defesa da “liberdade” —leia-se, em defesa das delinquências de Roberto Jefferson, da família Bolsonaro e de grande elenco que de "cidadãos de bem" só têm o marketing. 

Os protestos seriam uma demonstração relativa de força, não fosse um detalhe: seus aliados mais fieis são os aliados que detém as armas. As particulares e as oficiais.

Acima de tudo, estarão os chefes militares que acumulam cargos e salários acima do teto para ir com Bolsonaro até o fim.

Longe do núcleo-duro, Bolsonaro já não tem hoje lugar garantido sequer no segundo turno das eleições do ano que vem. Essa é a realidade que extrapola qualquer imagem de apoio maciço em verde e amarelo. E que deve ser confrontada por outros protestos do dia 12 do mesmo mês.

Por isso o presidente, com seus aliados armados, tenta a todo custo melar as eleições com bravatas sobe voto impresso e outras diatribes. 

Uma mobilização de massa no Dia da Independência pode dar a ele uma justificativa artificial para avançar contra tudo o que identifica como inimigo. Era Rodrigo Maia em 2020. Hoje são os ministros do STF, os governadores, as leis eleitorais.

Na literatura política contemporânea, aprende-se que a democracia morre aos poucos, sem estrondo ou gemido. Bolsonaro parece tentar subverter até a ordem do disfarce. Quer levar a democracia e uma grande liquidação de feriado.




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