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'Há muito mais coisas no Afeganistão', diz Khaled Hosseini, autor de 'O Caçador de Pipas'

'Há muito mais coisas no Afeganistão', diz Khaled Hosseini, autor de 'O Caçador de Pipas'

Embora viva nos Estados Unidos desde 1980, ele nasceu em Cabul e seus livros mais conhecidos, como O Caçador de Pipas e A Cidade do Sol, estão profundamente enraizados na história e na cultura do país. Numa entrevista por telefone, ele falou da sua frustração com o fato de os americanos, e o resto do mundo, há tanto tempo ouvirem falar do seu país num contexto de morte e destruição e raramente das pessoas que ali vivem.
“Se você procurar histórias sobre o Afeganistão", disse ele, "é sempre sobre violência, deslocamentos, tráfico de drogas, sempre têm a ver com o Taleban, com as iniciativas dos Estados Unidos. Existe muita pouca coisa sobre os próprios afegãos”, disse ele.
Milhões de leitores leram seus livros buscando essa perspectiva, embora ele considere isso uma faca de dois gumes, dizendo que nem ele e nem o seu trabalho de ficção são representativos do seu país natal. “Mas tenho uma perspectiva e lamento muito o que vem ocorrendo no Afeganistão”, afirmou.
Khaled Hosseini falou sobre o seu país, o que as pessoas que querem entender melhor aquela nação devem ler, e o que considera ser uma obrigação moral dos EUA para com o povo afegão. Abaixo trechos da entrevista.
Como sua percepção do futuro do Afeganistão mudou com o passar dos anos?
Eu estive no Afeganistão em 2003 e naquela época não existia praticamente nenhuma insurgência. Havia um grande otimismo com este tipo de democracia semi-Jeffersoniana e para onde o país se direcionava - no campo da igualdade de gênero, direitos para as meninas e mulheres, das pessoas participarem de um processo político representativo e aberto. Tudo isso vinha ocorrendo.
Com o passar dos anos ajustamos nossas expectativas, mas pelo menos tínhamos esperança de um compromisso com uma espécie de democracia, com a corrupção e todos os tipos de problemas. Mas pelos menos os afegãos nas cidades pareciam se sentir seguros. Houve muitos avanços nos últimos 20 anos no país e isso me dava esperança. Naturalmente, nos últimos anos, essas esperanças diminuíram. E nos últimos dias foram totalmente destruídas.
O que as pessoas deveriam ler para melhor compreender o Afeganistão e os afegãos neste exato momento?
Deveriam ler livros de história. Ler autores que conhecem realmente o Afeganistão e que o conhecem bem. Muitas pessoas têm recorrido aos meus livros para isso, e é ótimo, mas meus livros nunca foram representativos do que é a vida no país. Espero que as pessoas entrem mais a fundo e leiam livros de história, e dessa maneira aprendam mais sobre o Afeganistão.
Mas houve um aumento da demanda pelos seus livros. Tem alguma coisa que o senhor deseja que as pessoas saibam, especialmente aqueles que estão lendo um dos seus livros pela primeira vez?
Essas são histórias. A perspectiva de uma pessoa que tem vivido no exílio basicamente desde 1980. Salman Rushdie disse que o ponto de vista de alguém no exílio sobre o seu país natal é sempre através de um espelho quebrado e esta é uma verdade no meu caso. Sempre fui muito cuidadoso no sentido de que as pessoas não me tomem erroneamente por uma espécie de embaixador afegão ou representante dos afegãos. Não vivo lá há muito tempo.
Mas tenho uma perspectiva e sinto profundamente o que vem ocorrendo naquele país, tenho uma profunda afeição e uma profunda conexão emocional com as pessoas que lá vivem, com a terra, a cultura, a história e a herança. Espero que meus livros deem algum insight do que é o Afeganistão, além das costumeiras notícias que vemos na mídia a respeito do país, considerado um terreno fértil para o terrorismo e o Taleban, o tráfico de ópio, os ciclos de guerra.
Existe muito mais no Afeganistão. É um belo país com um povo belo, humilde, gentil, acolhedor, hospitaleiro e encantador. Todas as pessoas que estiveram no Afeganistão dizem: “Estive em muitos lugares no mundo, mas nunca vi um lugar como o Afeganistão. Chamamos isso de vírus afegão. É um lugar muito especial, belo,em termos de pessoas e fisicamente,e quando você percebe isso, tem contato com aquelas pessoas e come com elas, tomam chá com elas, as tragédias, tudo isso que você vê na televisão, adquire uma outra dimensão, totalmente diferente. A conexão se torna pessoal e muito, muito dolorosa.
O que mais o senhor desejaria que as pessoas lessem para saber?
Muitos afegãos aceitaram o que os Estados Unidos estavam lhes vendendo. Eles se alinharam com os objetivos americanos, acataram as iniciativas americanas, plenamente conscientes de que seriam alvos de grupos insurgentes como o Taleban. Mas aceitaram assim mesmo, esperando por um futuro melhor para o país, um futuro melhor para seus filhos, na esperança de que o país se tornasse mais estável e mais pacífico, mais representativo de todas as camadas da sociedade afegã. Acredito que foram inacreditavelmente corajosos para fazer isso.
De modo que o meu desejo é que as pessoas cheguem aos seus representantes, seus líderes, e digam: temos uma obrigação moral para com essa gente, temos de evacuar essas pessoas. Não podemos permitir que nossos parceiros - os Estados Unidos chamaram a população afegã de “nossos parceiros” durante 20 anos - sejam assassinados, presos, espancados, torturados e perseguidos agora que deixamos o país. É uma obrigação moral concluir o processo.

Tradução de Terezinha Martino
Esta matéria foi publicada originalmente no The New York Times




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