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Bolsonaristas querem proibir uso de linguagem neutra nas escolas

Bolsonaristas querem proibir uso de linguagem neutra nas escolas

No momento em que o país discute a volta às aulas presenciais e os impactos da pandemia na educação, parlamentares bolsonaristas, após uma malsucedida onda de projetos do Escola Sem Partido, escolheram como novo alvo a proibição do uso da linguagem neutra nas escolas.
Levantamento do GLOBO nas 27 assembleias legislativas do país mostra que, desde novembro do ano passado, já foram apresentadas em 14 estados e também na Câmara Federal propostas que impedem o uso desse recurso nas escolas. Em Santa Catarina, a ideia já virou até decreto.
A linguagem neutra — também chamada de “pronome neutro”, “linguagem não binária” ou “neolinguagem” — é a proposta de adaptação da língua portuguesa para que as pessoas não binárias (quem não se identifica nem com o gênero masculino nem com o feminino) se sintam representadas. Assim, “amigo” ou “amiga” virariam “amigue” ou “amigx”, segundo uma das propostas.
Uma pesquisa da USP publicada em janeiro na Nature estima que 1,2% dos brasileiros (quase 2,5 milhões de pessoas) sejam não binários.
— Essa é a menor das prioridades dentro da maior crise educacional da História brasileira. As crianças e jovens perderam aprendizagem de uma forma extremamente preocupante. Isso é que deveria ter sentido de urgência, e não ficar discutindo detalhes acessórios de acordo com a visão de mundo dos parlamentares — afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV/RJ.
Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés (PSL), eleito com apoio do presidente Jair Bolsonaro, decretou no mês passado a proibição da linguagem neutra em escolas públicas e privadas. A decisão foi tomada após proposta de lei apresentada pela deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PSL), uma das maiores defensoras do Escola Sem Partido no país. O PT entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar o decreto.
Nos outros estados, há projetos de lei em debate. Em todos, os deputados que fizeram a proposta utilizaram basicamente o mesmo texto, que diz garantir aos estudantes o direito ao aprendizado da língua portuguesa “de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp)”.
Para isso, “fica expressamente proibida a denominada ‘linguagem neutra’ na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos”, dizem as propostas.
— Trata-se de uma aberração linguística que não está em conformidade com a nossa gramática e pode confundir o aprendizado dos nossos jovens — defende o deputado Cabo Junio Amaral (PSL-MG), autor do projeto na Câmara Federal que se elegeu comprometido com o Escola Sem Partido e votou contra o Fundeb, o fundo para manutenção da educação básica.
Algumas propostas de lei, porém, apresentam mais detalhes. Em Pernambuco, os legisladores querem instituir multa de R$ 5 mil por aluno às escolas privadas que usarem ou ensinarem a linguagem. Na justificativa, citam Olavo de Carvalho, guru ideológico de Bolsonaro. Autor deste projeto, o deputado Pastor Cleiton Collins (PP) também propôs o Escola Sem Partido no estado. Em outros estados e municípios, os parlamentares também se repetem. Na cidade do Rio, por exemplo, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) também apresentou as duas propostas.
Os projetos do Escola Sem Partido defendem a neutralidade política e religiosa do Estado para alegar que o poder público não pode se “imiscuir na orientação sexual dos alunos”. Com isso, seus defensores apoiam a proibição de discussões como transexualidade, homofobia e violência contra a mulher. Em agosto de 2020, as poucas leis aprovadas no país foram consideradas inconstitucionais pelo STF.
Entenda a linguagem
Não há uma padronização de qual seria a forma ideal de linguagem não binária. Um das propostas, o chamado sistema “ile”, por exemplo, transforma a frase “Eles são amigos” em “Iles são amigues”.
— Há alguns anos, as pessoas utilizavam X ou @, e isso parecia inclusivo (amigx ou amig@). Só que se percebeu que esses elementos não eram pronunciáveis, o que prejudicava a leitura de pessoas disléxicas ou com leitoras de telas. Queremos o debate para encontrar uma forma acessível que atenda quem não se identifica na atual linguagem — diz Urse Brevilheri, 20 anos, pessoa não binária que criou um curso sobre o recurso.
Coordenador do programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Borba conduz uma pesquisa, ainda em andamento, sobre o uso da linguagem neutra na escola.
— Já entrevistei uma centena de professores. A grande maioria deles não discute isso em sala, muitos não sabem nem o que é, e os que discutiram isso em algum momento fizeram por demanda da turma — explica.
Segundo o linguista, que também analisa os projetos de lei que tentam vetar o pronome neutro, “não há nenhuma ameaça à língua portuguesa”.
— Não há um processo de subtração de elementos da língua. Uma coisa que deixa de ser usada por outra. Mas de adição de formas, recursos, que algumas pessoas usam, e outras não vão usar — diz.
Para Maria Helena de Moura Neves, pesquisadora de teoria funcionalista da linguagem e coordenadora de grupo de pesquisa sobre gramática e usos do português do CNPq, é impossível uma mudança da língua que não seja natural. Ou seja, que tenha sido formulado por um grupo de pessoas:
— Uma alteração da língua que é proposta por grupos, como essa da linguagem neutra, fica apenas restrita a grupos. É impossível que ela atinja todos os falantes da língua. Isso porque ela não é natural, é a científica. A língua muda, mas isso precisa vir do íntimo das pessoas. Ela muda a partir de quem fala, sem imposições.



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