Apesar de negar a intenção de se reeleger, Bolsonaro passa a criticar possíveis candidaturas de centro que aparecem com chance no pleito presidencial.
Para especialistas, Bolsonaro colocou-se em posição de reeleição desde que assumiu a cadeira.
Embora ainda faltem três anos para as próximas eleições presidenciais, eventuais candidatos já começam a traçar estratégias para a disputa. O presidente Jair Bolsonaro, que, formalmente, nega a intenção de se reeleger, antecipou o debate, na prática, ao passar a criticar possíveis candidaturas de centro com chance de se consolidar como alternativa em 2022. Ao presidente, interessa manter a polarização com a esquerda que resultou na sua ascensão ao Planalto, no último pleito.
Para o cientista político Rodrigo Prando, ao antecipar estrategicamente o debate sobre as eleições de 2022, Bolsonaro encontrou uma forma de espantar, desde já, possíveis candidatos que possam atrapalhar seu sonho de permanecer no Palácio do Planalto.
“Ele sempre disse que não ia concorrer a um segundo mandato. No entanto, assim que assumiu a cadeira, colocou-se numa posição de reeleição, onde compete principalmente com Huck e Doria”, destaca o cientista político, referindo-se ao apresentador Luciano Huck e ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Segundo Prando, as projeções para a próxima eleição presidencial surgiram devido à manutenção do tom da campanha de 2018. “O governo permaneceu com um discurso eleitoral constante, não mudou de postura. Bolsonaro tornou-se um 'presidente candidato' e continuou com uma linguagem confrontadora, o que faz com que tenhamos a sensação de que 2022 já começou. Na verdade, não acabou 2018” analisa.
Bastante fragilizada devido ao embate ferrenho entre esquerda e direita nas eleições presidenciais de 2018, a vertente de centro vê na aparição de possíveis candidatos em 2022 a oportunidade de retomar o espaço que perdeu no cenário político nacional devido à polarização ideológica. Esse embate, ao expor as ideias mais radicais de cada um dos espectros, abre brecha para que uma ideologia mais equilibrada ganhe força entre eleitores que, desgastados com essa realidade, não se identificam com nenhum dos extremos.
“Uma demanda fundamental para o centro é reagrupar algo que está se esfacelando. A questão não se resume apenas ao desafio de juntar republicanos ou democráticos. É preciso chegar às bordas da esquerda e da direita e ser capaz de cooptar essas pessoas, principalmente as lideranças”, analisa o especialista em políticas públicas Demetrio Carneiro.
De acordo com ele, o candidato que solucionar a equação de juntar eleitores de centro-esquerda e de centro-direita pode construir um caminho viável para concorrer às urnas daqui a três anos. “A primeira tarefa política a ser feita é uma conversa de conciliação, de aproximação e de paciência. É um processo que tem de ser construído programaticamente. Retomar grandes debates e apresentar grandes proposições. Isso vai fisgar o eleitor”, destaca Carneiro.
Um dos personagens que emerge nessa discussão é o apresentador Luciano Huck. Na semana passada, ele enfatizou a necessidade de “encontrar uma solução para os problemas do Brasil”.
“Nossa geração tem que lutar com as duas pernas. Não pode se prender só com a esquerda ou só com a direita. Vejo a importância do pensamento liberal sob o ponto de vista de que o Estado tem que ter o tamanho necessário, nem grande nem pequeno; tem que ter uma sociedade aberta e um pensamento globalizado; o mercado tem que se regular e crescer sozinho. Do outro lado, tem que ter uma agenda social e um olhar social importante”, disse em palestra a jovens empreendedores, no Recife, na quarta-feira.
Huck tem tomado atitudes. É um dos membros do Movimento Agora, que propõe diretrizes de políticas públicas que visam solucionar desigualdades entre os brasileiros, e apoiador do grupo RenovaBR, curso voltado para capacitar interessados em disputar eleições.
“A onda chegou sem eu me colocar no debate. Não queria me acovardar. Tinha necessidade de atuar como cidadão. Posso não ter estudado ciências políticas, mas viajei muito pelo Brasil nesses 20 anos de Rede Globo”, reconheceu o apresentador, em evento de publicidade em São Paulo, na última segunda-feira.
Conflito
No páreo, também está o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Apesar de ter apoiado o então candidato Bolsonaro no segundo turno do ano passado, inclusive com a dobradinha “Bolsodoria”, ele entrou em conflito com o agora presidente neste ano e, ao sair da sombra do pesselista, surge como alternativa a quem compactua com uma direita menos radical.
“Os extremos não constroem, os extremos destroem. Nós erramos, sim, mas tivemos a humildade de corrigir. Os extremados não reconhecem os erros”, declarou o pessedebista em evento no Rio de Janeiro, no fim de setembro. Na ocasião, Doria apresentou um “novo PSDB” aos cariocas.
O movimento do governador paulista pode ter representado o ponto de partida para a construção dos palanques dele pelo país visando 2022. Mesmo tentando rechaçar que esteja antecipado o processo eleitoral, transferindo esse ato ao próprio Bolsonaro, Doria já sinalizou a vontade de mudar o cenário político do país. “A boa política se faz unindo as pessoas, não separando”, afirmou o governador paulista.
Rodrigo Prando ressalta que Bolsonaro mantém, em média, 30% do eleitorado, sendo que metade não corresponde aos bolsonaristas convictos. “Os bolsonaristas convictos giram em torno de 15%. A grande questão é saber o quanto ele vai manter de eleitorado até 2022. Uma parte vota porque acredita nos ideais, e tem os que votaram contra o PT e a esquerda. Bolsonaro teria que fazer apelo mais ao centro do espectro político, mas ele vem se estabelecendo cada dia mais de extrema direita. Huck e Doria aparecem nesse cenário, como figuras de centro”, comenta.
Para o professor de ciência política da Universidade de Brasília (Unb) Paulo Calmon, a situação eleitoral de 2022 dependerá da posição dos candidatos contrários a Bolsonaro e de como eles farão para conseguir apoio político. “O Doria, dentro do PSDB, com possível aliança no DEM com Rodrigo Maia (presidente da Câmara) consegue se manter competitivo”, explica.
Huck, completa Calmon, despontaria como um candidato antissistema. A estratégia seria semelhante à utilizada por Bolsonaro, em 2018. “Nas redes sociais, Bolsonaro se apresentou como antissistema no momento em que havia rejeição à política tradicional. O povo queria uma coisa nova. A estratégia, então, é essa alternativa para a mudança e transformação, unindo as duas pontas”, salienta.
Deixe sua opinião