BRASÍLIA — Além de pedir para furar o teto salarial se dizendo vítima de “trabalho escravo”, a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, queria receber mais de R$ 300 mil em supersalários retroativos. Ela havia solicitado para acumular remunerações retroativamente, desde julho de 2016, quando tornou-se secretária de Igualdade Racial, até fevereiro deste ano, quando passou a ser ministra. Filiada ao PSDB, partido que está de saída do governo Temer, Luislinda é pressionada a deixar a pasta.
O parecer da Casa Civil negando o pleito de Luislinda em 5 de outubro, obtido pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação, mostra que ela pretendia auferir os proventos com "as devidas atualizações e correções". O Ministério dos Direitos Humanos rejeitou, em primeira e segunda instância, solicitação do GLOBO de acesso ao requerimento da ministra, pela mesma lei, alegando que tratava-se de informações de "natureza pessoal". O caso está na Controladoria-Geral da União (CGU).
"Com as devidas atualizações e correções no que se refere ao período em que laborei como Titular da Secretaria em comento, situação que perdurou de 6 de julho de 2016 até o dia 2 de fevereiro de 2017", escreveu a ministra, além de solicitar atualizações como proventos de ministra, de 3 de fevereiro de 2017 até o momento em que encaminhou o pleito, entre o fim de setembro e o começo de outubro. Ela afirmou que a situação “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo".
Como secretária da Igualdade Racial, Luislinda ganhava cerca de R$ 15 mil. Pelos trabalhos de ministra, R$ 30.934,70. Ela é desembargadora aposentada e receberia mensalmente R$ 30.471,10. A ministra tentava desobedecer ao teto salarial de R$ 33,7 mil, imposto pela Constituição. Se atendesse ao requerimento, o governo teria de desembolsar, para a ministra, um supersalário de R$ 304.307,00.
No período em que foi secretária, de julho do ano passado a fevereiro deste ano, o pagamento retroativo seria de R$ 82.397. Já à frente dos Direitos Humanos, de fevereiro até outubro — quando formalizou o pedido —, os ganhos retroativos seriam de R$ 221.640. O pleito de Luislinda para furar o teto constitucional foi mostrado pelo jornal "O Estado de S. Paulo" no mês retrasado.
— Eu, como desembargadora aposentada, posso botar um chinelinho simples e ir a qualquer lugar. Mas como ministra de Estado, não posso fazer isso. Eu tenho uma representatividade. Não de luxo, mas de pelo menos me apresentar trajada dignamente. É cabelo, é maquiagem, é perfume, é roupa, é sapato, é alimentação. Porque, se eu não me alimentar, eu vou adoecer e, aí, vou dar trabalho para o Estado. É tudo isso que tem que ter. Então, eu pedi, formulei o pedido, como qualquer pessoa que se achar no direito pode requerer. Estou com um salário aqui, neste mês, de R$ 2.700. Para uma responsabilidade que se tem… — disse Luislinda Valois à CBN em 2 de novembro, horas antes de anunciar que havia desistido do requerimento.
Procurado pelo GLOBO, o Ministério dos Direitos Humanos afirmou que o pedido da ministra já havia sido "retirado". A pasta não respondeu por que negou acesso desse pedido ao jornal via Lei de Acesso à Informação.
Na convenção tucana, no último sábado, Luislinda foi pressionada a pedir demissão, e a tentativa para acumular proventos foi atacado.
— Os dois que estão no governo (Luislinda e Aloysio Nunes) estão porque querem e porque o presidente quer. Mas seria conveniente que ela deixasse o cargo. Foi muito infeliz a declaração que ela fez. Se ela pode acumular o salário com a aposentadoria, é o Judiciário que vai decidir. Mas falar em trabalho escravo foi uma infelicidade ímpar — disse Alberto Goldman, então presidente interino do PSDB. O novo secretário-geral da legenda, o deputado Marcus Pestana (MG), declarou que a ministra "já deveria ter saído".
Quando o tucano Antonio Imbassahy deixou a Secretaria de Governo, ministério palaciano que cuida da articulação política com o Congresso, o Ministério dos Direitos Humanos afirmou que a decisão de Imbassahy "em nada implica" na continuação de Luislinda.
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