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Duas advogadas e um PM reformado acabaram presos
O desastre radiológico, que aconteceu em Goiânia, em 1987, causou a morte de quatro pessoas e afetou mais de 1.200. Todas as ações, movidas por cinco advogados, estão em nome de policiais militares e bombeiros aposentados de Goiás e do Tocantins, conforme informado pelo Fantástico deste domingo, 14.
Os suspeitos ainda protocolaram pelo menos outros 20 processos fraudulentos alegando doenças como AIDs e cardiopatia. Em determinados casos de doenças graves, é concedido o direito à isenção do Imposto de Renda. O prejuízo provocado pelos investigados supera R$ 20 milhões.
Duas das advogadas, Ana Laura Pereira Marques e Gabriella Nunes Silva, acabaram presas durante operação da PC no dia 30 de setembro. Ana Laura Pereira Marques é acusada de entrar com a maioria das ações, que está em prisão domiciliar. Gabriella, por outro lado, responde em liberdade. Um PM reformado também foi preso, acusado de captar clientes para o esquema.
“Elas sempre cobravam 30% dos valores retroativos e, num segundo momento, o valor referente a três isenções”, explicou o delegado, Leonardo Dias Pires, ao Fantástico.
A defesa de Ana Laura disse à reportagem que se manifestará somente em juízo, “oportunidade em que irá exercer seu direito constitucional de ampla defesa e ao contraditório”. Já Jonadabe Almeida, advogado de Gabriela, alegou que ela não tinha conhecimento dos documentos e que não participou do esquema.
Clínica em Goiás
Em 18 dos processos, uma mesma clínica em Goiás aparece como responsável por colher os exames falsos. A defesa argumenta que a assinatura da clínica nos documentos é falsa e que o logotipo atribuído a ela nos processos nunca foi da empresa.
O estado de Goiás exige a devolução do dinheiro de quem se beneficiou com a fraude, que pode ter gerado um rombo de R$ 20 milhões aos cofres públicos. Na investigação, consta um áudio de um coronel que rejeitou entrar no esquema, depois de convidado por um policial.
“Meu amigo, não tenho condição de aceitar uma coisa dessa. Isso é uma vergonha, eu ganhar uma coisa sem ter merecido”, diz parte do áudio que o coronel Urionir Sarmento enviou em um grupo de aplicativo de mensagens, veiculado pelo Fantástico.
Na época do acidente, Urionir trabalhava na cidade de Pires do Rio, a cerca de 150km de Goiânia e nunca teve contato com materiais contaminados. O oficial não quis se pronunciar.
“Não aceito a postura de inocência, falar que não sabia. Não tem ninguém aí enganado, não. Ninguém enganou ninguém. Foi consciente (que outros oficiais entraram no esquema)”, disse o coronel em outro trecho do áudio.
Ex-policiais militares e ex-bombeiros que teriam sido beneficiados pelas ações estão sendo investigados como suspeitos de participar da fraude, mas alegam que não sabiam do esquema. Um deles é o capitão da reserva Carlos Alberto Fonseca, que teve uma ação em seu nome protocolada em março deste ano.
O documento diz que Fonseca “atuou em várias frentes de trabalho do acidente de 1987” e que exames apontam dosagem de material radioativo acima dos valores de referência no cabelo dele. Fonseca saiu da PM na década de 1990 e virou promotor de Justiça.
Foram mais de 25 anos no Ministério Público (MP) e, hoje, é procurador-geral da cidade de Anápolis (GO). Ele diz que não trabalhou em Goiânia na época do acidente. Que só dois anos depois esteve no policiamento do depósito de dejetos, em Abadia (GO). O material está isolado, enterrado em duas caixas de concreto, para evitar vazamentos.
O ex-promotor diz que passou por cirurgias para retirada de cistos, que não eram cancerígenos. Mas ele nunca se consultou com o médico que assina o relatório na ação judicial, nem esteve na clínica em que o especialista trabalha.
“Eu não diria (que fui) ingênuo, fui incauto ao não pesquisar a atuação dessa advogada (Ana Laura Pereira) mais a fundo. Ela não deu ciência para nós do resultado dos exames e não fomos no processo olhar. O que é falta de cautela nossa, mas não ingenuidade”, disse Fonseca ao Fantástico.
Outro processo fraudulento é do tenente-coronel dos bombeiros Sebastião Otávio do Nascimento. Um suposto exame teria apontado a presença de césio acima do normal. As amostras de cabelo usadas no teste, porém, nunca saíram do escritório da advogada Ana Laura.
O perito Fábio Tadeu Panda argumenta, contudo, que testes em cabelo, como os realizados por Sebastião Otávio e Fonseca, não serviriam para provar a contaminação. “A menos que a pessoa tivesse parado de cortar o cabelo desde a época da contaminação, há cerca de 30 anos”.
O ex-comandante-geral da PM de Tocantins Marielton Francisco dos Santos. Ele diz que sofre de uma deficiência hormonal e que faz tratamento há 12 anos. “Pode ter ou não relação com o césio. Outra questão é hipertensão, não sei se tem relação também”, ele argumenta.
A Justiça concedeu isenção do Imposto de Renda para Marielton. Ele também alega que confiou nas advogadas. O ex-comandante diz que recebeu mais de R$ 13.500, mas que devolveu as duas parcelas que recebeu: “má-fé não houve, isso realmente não houve, foi excesso de confiança”.
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