Mensagens anexadas ao Procedimento Investigatório Criminal aberto contra o oficial, foram encontradas pelo Ministério Público no celular de um de seus subordinados. Defesa alega inocência
Por Rafael Soares — Rio de Janeiro
Em março passado, o capitão Anderson Santos Orrico ganhou um cargo na Diretoria de Recrutamento e Seleção de Pessoal (DRSP) da Polícia Militar do Rio. Desde então, ele bate ponto como chefe da seção de recursos humanos do órgão, que é responsável por escolher os futuros praças da corporação. O oficial, no entanto, é investigado pelo Ministério Público do Rio sob a suspeita de incentivar seus subordinados a matar. Em agosto de 2020, quando chefiava o serviço reservado (P2) do 21º BPM (São João de Meriti), Orrico escreveu a seus comandados: “Porra, tinha que largar o bambu! Um inocente a mais, um a menos, tanto faz”.
A mensagem foi postada pelo oficial no grupo de WhatsApp Corujas assassinas 21, que servia como canal de comunicação entre os agentes que atuavam na P2 do batalhão à época. PMs que atuam na área de inteligência — e são autorizados a circular à paisana e em viaturas descaracterizadas — são chamados, dentro da corporação, de “corujas”. No mesmo grupo, em maio de 2020, Orrico descreveu como gostaria que sua equipe atuasse: “Nosso ritmo é bala. Se tiver como matar, empurramos”.
Em agosto daquele ano, o capitão reforçou a orientação. Depois de encaminhar ao grupo um aviso sobre a atuação de criminosos na região — “Atenção quem estiver de serviço aí: um Corsa hatch verde escuro está abordando caminhões de carga aí no Centro” —, Orrico escreveu: “Dá pra matar hoje. Tem bastante matéria prima”.
As mensagens, que estão anexadas ao Procedimento Investigatório Criminal aberto contra o oficial, foram encontradas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ no celular de um de seus subordinados, o sargento Adelmo da Silva Guerini Fernandes. Em julho de 2020, Guerini foi preso sob acusação de integrar a milícia da comunidade Asa Branca, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, e teve seu celular apreendido. A partir da quebra de sigilo do aparelho, o Gaeco descobriu que a patrulha integrada por Guerini no 21º BPM sequestrava, torturava e extorquia dinheiro de traficantes.
Com base nas trocas de mensagens, o MP deflagrou a Operação Mercenários, que culminou na prisão de 11 PMs em maio do ano passado. Apesar de não ter sido preso, Orrico foi alvo de mandados de busca e apreensão por conta dos diálogos no grupo Corujas Assassinas 21. A investigação também descobriu que o capitão abrigou na P2, sob sua chefia, quatro policiais que não eram credenciados pela PM para atuar na área de inteligência e que acabaram presos na operação. Em sua sala no batalhão, foram encontrados R$ 37 mil em espécie escondidos num sofá. Já em sua casa, os agentes do MP apreenderam mais R$ 96 mil.
- Após a operação, Orrico foi exonerado e acabou transferido para a Diretoria Geral de Pessoal (DGP), a geladeira da corporação. O capitão ficou apenas dez meses sem cargo: o boletim da PM do último dia 15 de março anunciou sua chegada à Diretoria de Recrutamento e Seleção de Praças. Menos de uma semana depois de assumir o novo cargo, Orrico ainda foi agraciado com a Medalha de Bons Serviços, entregue pela corporação a policiais que se destacam depois de dez anos de trabalho.
- Advogada alega inocência do oficial
Em abril, os promotores que atuam na Auditoria Militar pediram à Justiça cópias das mensagens enviadas por Orrico e abriram uma nova investigação “visando elucidar sua possível participação na organização criminosa” formada por PMs que eram seus subordinados no 21º BPM. O procedimento ainda está em curso.
A advogada Kamylle Gandra, que defende Orrico, alegou, em nota, que “não há qualquer processo criminal em que o Capitão Orrico figure como réu”. Segundo Gandra, o processo judicial decorrente da Operação Mercenários “não tem qualquer menção de prática delituosa tendo o capitão Orrico como autor” e a sua nomeação na DRSP “se deu em função de capacidade funcional para atuação no setor”. Em fevereiro, Gandra pediu à Justiça a restituição dos R$ 96 mil apreendidos na casa de Orrico. A solicitação foi negada pelo juiz Leonardo Picanço.
- Já a PM sustentou que a “Diretoria de Recrutamento e Seleção de Pessoal é uma unidade administrativa da corporação” e que Orrico “é responsável pela gestão dos policiais militares pertencentes ao efetivo da unidade”.
Deixe sua opinião