Ex-presidente se recusou a assinar documentação necessária para que artista recebesse o diploma, apesar de o governo português tê-lo feito.
Chico Buarque no palco da casa Vivo Rio, na estreia carioca do show 'Que tal um samba' no Rio de Janeiro — Foto: Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
Depois de quatro anos de espera, o cantor, compositor e escritor Chico Buarque, de 78 anos, vai finalmente receber nesta segunda-feira (24) em Sintra, Portugal, o prêmio Camões, o mais importante da literatura de língua portuguesa.
Um dos motivos da demora se deveu à recusa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em assinar a documentação necessária para que o artista recebesse o diploma, segundo explicou à BBC News Brasil o ministro da Cultura de Portugal, Pedro Adão e Silva. A entrega também ficou prejudicada pelo confinamento imposto pela pandemia de covid-19.
Como resultado, todos os vencedores do prêmio — quatro no total, incluindo Buarque — ainda não o receberam.
Chico Buarque estreou como escritor de ficção em 1974, com a novela "Fazenda Modelo". Em 1979, publicou o livro infantil "Chapeuzinho Amarelo". Seu primeiro romance, "Estorvo", foi lançado em 1991. Quatro anos depois, publicou o segundo, "Benjamin". Em 2003, lançou "Budapeste"; em 2009, "Leite Derramado" e em 2014, "Irmão Alemão". Ele escreveu as peças de teatro "Roda Viva" (1968); "Calabar" (1972); "Gota D’Água" (1974), e "Ópera do Malandro" (1978).
O prêmio Camões foi criado em 1988 "com o objetivo de consagrar um autor de língua portuguesa que, pelo conjunto de sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural do idioma", segundo o Ministério da Cultura (Minc).
É considerado a mais importante premiação da língua portuguesa e contempla anualmente autores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Seu nome homenageia o poeta português Luís de Camões (1524-1580), uma das maiores figuras da literatura lusófona.
O ganhador do prêmio recebe 100 mil euros (R$ 555 mil), sendo metade desse valor subsidiado pela Fundação Biblioteca Nacional, entidade vinculada ao Ministério da Cultura. A outra metade é paga pelo governo português.
O diploma entregue aos laureados contém o nome de todos os países lusófonos e é assinado pelos chefes de Estado de Portugal e do Brasil.
A escolha é feita por um júri de seis membros, dois do Brasil, dois de Portugal e dois escolhidos em comum acordo por outros países lusófonos (Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste).
O primeiro a receber o prêmio, em 1989, foi o poeta e escritor português Miguel Torga.
Desde então, outros 33 escritores foram agraciados, entre os quais 14 do Brasil, 14 de Portugal, três de Moçambique, dois de Angola e dois de Cabo Verde.
Entre os brasileiros laureados, estão Raduan Nassar (2016), Ferreira Goulart (2010), Lygia Fagundes Telles (2005) e Jorge Amado (1994).
Devido à recusa de Bolsonaro em conceder o prêmio a Buarque, os seguintes escritores ainda puderam recebê-lo: o português Vitor Manuel de Aguiar e Silva (2020), a moçambicana Paulina Chiziane (2021) e o brasileiro Silviano Santiago (2022).
Primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, Chiziane é a primeira mulher e a primeira negra a vencer a premiação. "Niketche: Uma História de Poligamia" é um de seus romances mais famosos.
'Viramos uma página'
Em declaração no sábado (22) em Lisboa por ocasião da abertura da 13ª Cúpula Brasil-Portugal, que já não acontecia havia sete anos, o primeiro-ministro português, António Costa, fez alusão ao prêmio Camões.
Ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Costa usou a recusa de Bolsonaro em entregar a premiação como um exemplo do esfriamento das relações entre Brasil e Portugal nos últimos anos. Segundo ele, no entanto, é momento de "virar a página".
"Queria sublinhar a importância do dia de hoje, em que depois de sete anos de interrupção retomamos as cimeiras (cúpulas) anuais entre Portugal e o Brasil. Retomamos estas cimeiras na segunda visita que em poucos meses o presidente Lula faz a Portugal e na primeira visita que o presidente Lula faz à Europa", disse.
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Costa falou da "interrupção de contatos" entre os dois países. Em sua visão, a consequência mais clara disso foi o fato de "só na próxima segunda-feira (24) ser entregue a Chico Buarque de Holanda o Prêmio Camões, que ganhou há quatro anos, em 2019".
"Viramos, por isso, uma página", disse.
Lula está em viagem oficial em Portugal, aonde chegou na última sexta-feira (21). Ele fica no país até terça-feira (25), quando segue para a Espanha. Seu retorno ao Brasil está previsto para a noite de quarta-feira (26).
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