No despacho em que determinou a transferência do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral para um presídio de segurança máxima, o juiz Bruno Rulière aponta que o político e o tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira, condenado pela morte da magistrada Patrícia Acioli, demonstravam ter “poder” sobre a direção da unidade onde estavam, em Niterói, e também sobre servidores e outros detentos.
Para explicitar o suposto comando exercido por Cabral e pelo tenente-coronel Cláudio Luiz, o magistrado relata uma cena ocorrida na inspeção do dia 24 de março, quando foram encontrados os primeiros indícios de regalias e
irregularidades.
“…apesar da determinação do juízo e do diretor da unidade para que todos os internos da ala dos oficiais permanecessem fora da galeria, o interno Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho, interrompendo a inspeção realizada e desconsiderando a figura de autoridade administrativa do ex-diretor da unidade, aproximou-se deste magistrado e declarou (de forma respeitosa e urbana, porém sem ser instado e autorização para tanto) que qualquer dúvida do juiz sobre a galeria dos oficiais deveriam ser sanada com ele ou com o tenente-coronel PM Claudio Luiz Silva de Oliveira, que seriam os ‘responsáveis pelo local’.
Este fato, aliado à postura passiva do então diretor da unidade indicam clara manifestação de poder externada por estes presos, inclusive sobre um diretor da unidade”, descreveu Rulière.
O magistrado, que é corregedor do sistema prisional, também apontou indícios de omissão por parte da administração da unidade. Na mesma vistoria de março, os agentes de fiscalização identificaram uma máquina lavadora e secadora de roupas em uma das celas, na ala onde ficavam Cabral e o tenente-coronel Claudio Luiz.
“A cela estava trancada no mesmo da inspeção, embora estivesse a máquina de levar em pleno funcionamento. Fato que inspira sérias suspeitas de que Administração da UP buscou ocultar do juízo de fiscalização a existência deste eletrodoméstico instalado no local”, declarou.
Já nas celas dos dois, um segundo chuveiro com sistema próprio de aquecimento foi identificado. Segundo o magistrado, a direção alegou não saber da existência da instalação, apesar dela ser visível. Já na cela de Cabral, ainda havia potes e entrega de comida com o selo de uma boutique de carnes. “
As circunstâncias indicam que foi permitida a entrada dos outros produtos pela Administração da Unidade. O diretor não soube informar a respeito”, pontuou o juiz.
Outra coisa que chamou a atenção do juiz é que diversos alojamentos e armários estavam trancados, sem que a administração tivesse a chave. As celas não possuíam grades e eram controladas internamente pelos próprios detentos.
Na decisão que obrigou a transferência do ex-governador e de cinco policiais militares, supostamente beneficiados com as regalias, o juiz ainda defendeu a necessidade de um maior controle sobre os presos. Na avaliação dele, aconteceram “falhas grosseiras nas rotinas de controle” e “indicativos sólidos de tratamento diferenciado”.
A situação demanda revisão dos procedimentos de ingresso de materiais pela custódia e maior fiscalização das celas”, afirmou no despacho.
O que dizem os citados?
A unidade prisional da PM em Niterói já não está sob a direção dos nomes à época das vistorias. A Polícia Militar divulgou que determinou instauração imediata de procedimento interno, com objetivo de apurar as evidências de irregularidades constatadas pela Vara de Execuções Penais.
Também que o atual comando “vem fazendo gestões para aprimorar o sistema de controle da unidade prisional. Entre as medidas adotadas, vale citar a renovação de parte do efetivo; intensificação das inspeções internas pela Corregedoria Geral da SEPM; reposição de equipamentos de controle, como a aquisição de um scanner corporal em processo de licitação; cursos de capacitação de pessoal; e, a médio prazo, projeto de reestruturação das instalações físicas da unidade prisional.”
Já a defesa de Sérgio Cabral e Cláudio Luiz, feita pela advogada Patrícia Proetti, contestou as transferências. Seguem as notas, na íntegra:
Defesa de Sérgio Cabral
“É com absoluta perplexidade que recebemos a informação, pela imprensa, da decisão de transferência do ex-governador para um presídio de segurança máxima sem haver, sequer, um processo administrativo disciplinar para elucidação dos fatos narrados. Como se não bastasse, o descumprimento dessa garantia básica impediu a defesa de ter acesso formal às informações veiculadas, apesar dos pedidos dirigidos ao juízo prolator da decisão, bem como as razões que embasam e justificam tal determinação”
Defesa de Claudio Luiz Silva de Oliveira
“A decisão proferida pelo Juiz da Vara de Execuções Penais narra a existência de suposições sem qualquer embasamento ou provas. É inaceitável que a defesa tome conhecimento dos fatos e das decisões através da imprensa ao mesmo tempo em que se vê impedida de exercer o contraditório e a ampla defesa, apesar de todos os requerimentos apresentados.
É importante ressaltar que os policiais militares e o ex-governador correm sério risco de vida e à integridade física ao serem colocados em um presídio ocupado por pessoas que eles prenderam ou que foram presas em suas gestões. A defesa irá recorrer da decisão.
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