BRASÍLIA - Tradicional destino de turismo ecológico e uma das áreas de proteção ambiental mais preservadas do Cerrado, o Jalapão passou a figurar no cerne de uma investigação da Polícia Federal (PF) que envolve suspeitas de lavagem de dinheiro, desvios de recursos públicos e enriquecimento ilícito por parte do governador de Tocantins, Mauro Carlesse (PSL). O chefe do executivo estadual está afastado do cargo desde outubro por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A PF suspeita que o grupo criminoso liderado por Carlesse tinha interesse em comprar terrenos no entorno do Jalapão com o objetivo de lavar dinheiro obtido em esquemas de corrupção dentro do governo estadual. A investigação já encontrou pelo menos uma propriedade comprada por uma pessoa ligada a Carlesse, apontada pela PF como laranja do governador.
O terreno, com 1.399 hectares (equivalente a 1.399 campos de futebol), fica no município de Mateiros, onde se encontra o Parque Estadual do Jalapão. Fica a aproximadamente 300 km de Palmas. Foi adquirido em 20 de julho do ano passado por R$ 2 milhões, conforme escritura lavrada em cartório.
As provas reunidas pela PF reforçam as suspeitas de que o governador afastado é o verdadeiro dono do terreno: a transação foi feita por meio de uma empresa da qual ele era o dono e que estava sob responsabilidade de um aliado. “A operação foi realizada por meio da empresa Maximuss Participações SA, na pessoa do seu diretor presidente, Erick de Oliveira Araújo, que possui renda de R$ 13.000,00 mensais e ingressou no quadro societário da empresa Maximuss Participações S/A, no mesmo dia em que Mauro Carlesse deixou de fazer parte”, diz trecho da investigação.
Em entrevistas com moradores da região, a PF soube que outra pessoa ligada ao governador, pai de um secretário de sua gestão, também esteve prospectando terrenos. “A informação mais relevante e que chamou a atenção dos policiais foi que todos entrevistados foram uníssonos em afirmar que Luiz de Souza Barbosa estava comprando terras a ‘rodo’ (expressão utilizada para indicar grande quantidade) naquele município e no seu entorno para o governador do estado do Tocantins, Mauro Carlesse” , observa o relatório da PF. O inquérito agora tenta rastrear que outras propriedades foram adquiridas.
Essa linha de apuração é importante porque Carlesse, no cargo de governador, atuou diretamente para alterar a estrutura do Parque do Jalapão e foi duramente contestado por representantes de populações tradicionais e ambientalistas. Entre outras medidas, Carlesse propôs uma lei para privatizar a gestão do parque e assinou um contrato para a construção de um aeroporto no município de São Félix do Tocantins, na região.
Defesa nega aquisições
O contrato para construção do aeroporto foi assinado em 28 de julho de 2021, uma semana após a compra do terreno. A privatização foi sancionada no mês seguinte. Essas ações aumentariam o valor comercial dos terrenos adquiridos na região, o que geraria lucros para o governador na hipótese de ele ter adquirido imóveis. Ao mesmo tempo em que aumentariam a degradação da área protegida.
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Esses fatos foram considerados pelo ministro do STJ Mauro Campbell para determinar o afastamento de Carlesse do cargo por 180 dias. A investigação tramita sob sigilo.
A privatização já estava na mira do Ministério Público Federal no Tocantins, que propôs uma ação civil pública em agosto de 2021 para barrar o procedimento. O argumento do MPF foi de que não houve consulta prévia nem diálogo com as sete comunidades quilombolas locais.
Segundo Railane Ribeiro da Silva, presidente da Associação de Moradores da Comunidade Mumbuca, território quilombola no Jalapão, o fluxo de turistas já estava danificando as dunas.
— Com a privatização, o fluxo de pessoas aqui seria dez vezes maior. Ia acabar com tudo — afirma.
A defesa de Carlesse nega irregularidades e afirma que o responsável pela compra do terreno no Jalapão foi Erick de Oliveira Araújo. Diz ainda que a concessão do parque à iniciativa privada “faz parte do plano nacional de expansão e incentivo ao turismo”, cujo planejamento e implantação eram divulgados há anos pelo BNDES e pela imprensa. Sobre a construção do aeroporto, alega que o projeto estava previsto desde 2001. O advogado Nabor Bulhões afirma que “a defesa desmontou o amontoado de especulações da PF e do MPF” contra seu cliente.
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