Com a volta dos EUA à OMS, 'Brasil está marginalizado nos foros multilaterais
Gersonjaneiro 23, 20210
No mesmo dia em que tomou posse, o governo de Joe Biden fez um gesto memorável: os EUA estão de volta à OMS, e devem integrar a aliança mundial de vacinas contra a covid-19, a Covax.
O anúncio era esperado. Ao longo da campanha presidencial norte-americana em 2020, Biden enfatizou em diversas ocasiões a importância do multilateralismo na organização política global.
Donald Trump, por outro lado, era um fervoroso crítico dessas organizações, sentimento compartilhado pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Porém, a saída de Trump (e em especial a chegada de Joe Biden), representou uma mudança no tabuleiro geopolítico.
Prova disso foi que, na manhã dessa quinta-feira (21), Anthony Fauci, principal responsável pelo combate à covid-19 nos EUA, participou por vídeo pela primeira vez do Comitê Executivo da OMS.
Fauci declarou que a entidade é "líder" na luta global contra a pandemia, e chamou Tedros Ghebreyeus de "querido amigo". Ele ainda anunciou que quer o fortalecimento e a reforma da agência, garantindo que vai cumprir suas obrigações financeiras com a OMS.
Diante deste cenário, a agência de notícias Sputnik Brasil conversou com o professor Williams Gonçalves, especialista em relações internacionais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), para compreender de que modo o Brasil pode ser impactado por essas primeiras medidas de Biden como presidente dos EUA.
"Sobre as primeiras medidas de Joe Biden, é necessário dizer que já faz muito tempo, desde a Segunda Guerra Mundial, que as elites dos EUA formaram um consenso sobre a posição dos Estados Unidos no sistema internacional de poder. As discordâncias, entre republicanos e democratas, diz respeito ao modo de agir, aos métodos.
O objetivo sempre foi colocar os EUA como potência hegemônica, e trabalhar como para manter essa condição", afirmou.
O professor entende que a volta dos EUA às instituições multilaterais "é uma medida lógica, necessária, e imediata". Para ele, "a volta dos democratas à presidência significa a recomposição do consenso nacional a respeito do lugar dos EUA no mundo". Questionado sobre as consequências dessas mudanças para a política externa brasileira, o professor acredita que o Brasil corre o sério risco de ser marginalizado, ou mesmo isolado por outros países.
"A situação que nós nos encontramos atualmente é essa: um país marginalizado nos principais foros multilaterais. Como enfrentar isso é muito difícil dizer. Seria necessária uma mudança radical, como, por exemplo, trocar o chanceler Ernesto Araújo. Além disso, é necessário reelaborar uma política externa, e pedir desculpas pelo que foi feito nos últimos anos.
É necessário admitir a irracionalidade de nossas iniciativas e iniciar, na prática, um novo governo", sustenta Williams Gonçalves.
Neste contexto, é importante relembrarmos que o Itamaraty, apesar de não ter saído da OMS, adotou ao longo dos últimos meses um tom de recusa em reconhecer o papel central da agência em um esforço global para lidar com o vírus. Além disso, o Itamaraty passou a evitar o termo "multilateralismo", já que o chanceler brasileiro acredita que a palavra pertence a uma ideologia.
O argumento central é de que entidades "globalistas" seriam uma ameaça para a soberania nacional e que, eventualmente, fariam parte de um avanço infiltrado de comunistas.
Para Williams Gonçalves, "Bolsonaro já está muito desgastado em virtude de todas as trapalhadas que cercam o combate à pandemia no Brasil, e pedir perdão aos EUA, China e Índia, isso não é cogitado pelo presidente. É muito difícil dizer o que ele pretende e pode fazer".
O especialista acredita que o papel do Brasil, com saída de Donald Trump, foi relegado dentro de um contexto geopolítico, e por esta razão, mudanças precisam ser feitas, ou o país pode ficar isolado politicamente.
"A política externa do presidente Jair Bolsonaro é o problema, já que não foi constituída uma estratégia clara, um objetivo, apenas vagos pronunciamentos do chanceler Ernesto Araújo, como suas posições sobre o 'globalismo', sem nenhuma relação com o mundo real. O Brasil se afastou de todos os países: desfez a Unasul e enfraqueceu ao máximo o Mercosul. Vale lembrar que essas iniciativas são inconstitucionais. E há também o Brics, que o Brasil se afastou, e que hoje é vanguarda na luta contra a covid-19", disse o especialista.
Em sua explicação sobre a importância da volta dos EUA à OMS, e de que forma isso pode gerar consequências ao Brasil, o professor sustenta que os grandes adversários dos EUA continuam sendo a China e Rússia, cada uma com suas próprias particularidades.
"A China é uma competidora econômica. Com relação aos russos, a preocupação diz respeito ao petróleo, ao militarismo, e o alcance dos EUA na Eurásia, uma vez que os russos têm grande influência na região".
Para ele, a visão dos EUA como potência hegemônica incide em uma contenda ideológica em busca do protagonismo disputado por esses países. "Foi o presidente Donald Trump que trouxe o rompimento deste consenso, de hegemonia norte-americana. O 'América First' era uma proposta de política nacionalista e isolacionista. Os declarados inimigos de Trump eram inimigos comerciais. Ele nunca teve a preocupação de começar guerras. Ele nunca mobilizou as forças militares dos EUA. Isso o colocou tanto contra os democratas, quanto contra os republicanos. A volta dos democratas à presidência significa a recomposição do consenso nacional a respeito do lugar dos EUA no mundo". (com agencia Sputnik Brasil)
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