A Polícia Civil descobriu que dois membros da milícia de Rio das Pedras, que possuía ligação estreita com o Escritório do Crime — quadrilha de matadores de aluguel que atua com base na Zona Oeste do Rio —, se filiaram ao PSOL, partido da vereadora Marielle Franco, cerca de um ano antes de o crime ter sido cometido, conforme antecipado nesta segunda-feira pela revista Veja. Além disso, o cadastro de filiação dos dois data exatamente do dia em que o policial reformado Ronnie Lessa começou a fazer buscas na internet pelo nome de Marcelo Freixo, hoje deputado federal, uma das figuras mais atuantes do partido. Lessa está preso desde o ano passado, acusado de ter atirado contra Marielle e Anderson Gomes, seu motorista.
Um dos filiados é Laerte Silva de Lima, de 35 anos, preso desde o ano passado na primeira etapa da Operação Intocáveis. A outra filiada é a mulher dele, Erileide Barbosa da Rocha, que foi detida na segunda fase da ação, também em 2019. Antes de ser investigado e preso, apontado como "um dos braços armados da milícia" na Intocáveis, Laerte já possuía antecedentes criminais por porte ilegal de arma de fogo. Não há fatos concretos que, até este momento, liguem Laerte ou a miilícia de Rio das Pedras a Lessa e ao crime contra Marielle. No entanto, uma coincidência chamou atenção, segundo fontes ouvidas pela reportagem. No dia 17 de abril de 2017, o PM reformado fez pesquisas com os termos ligando o nome de Marcelo Freixo ao estado islâmico. Depois, enviou um e-mail para si mesmo, onde fez críticas ao político do PSOL e ao próprio partido:
Após a prisão de Lessa e Élcio Vieira de Queiroz — apontado como o motorista do Cobalt prata de placa clonada usado na empreitada —, e principalmente desde a descoberta de que o Escritório do Crime estava por trás da execução do empresário Marcelo Diotti, emboscada feita no estacionamento de um restaurante na Barra da Tijuca, no mesmo dia da morte de Marielle, 14 de março de 2018, policiais e promotores descartaram a possibilidade de envolvimento dos pistoleiros no assassinato da vereadora, apesar de a investigação aprofundada contra o bando ter seguido em frente, como um desdobramento. Ao EXTRA, o delegado Moysés Santanna, que comanda as investigações na Delegacia de Homicídios da Capital, reforçou que, pelo menos por parte dele, o fato novo não reacende a possibilidade de envolvimento, tanto do grupo de milicianos, quanto da quadrilha de matadores de aluguel, na morte da parlamentar.
— Não há indícios de que eles (Laerte e Erileide) eram do Escritório do Crime. Foram presos na Intocáveis, mas por integrarem uma organização criminosa que atuava em Rio das Pedras. Nada, nada de Escritório do Crime — reforçou o delegado.
A presidente do PSOL Carioca, Isabel Lessa, afirma que o partido foi procurado pela Polícia Civil, mas que achou melhor não tomar nenhuma medida para não atrapalhar as investigações.
— Achamos melhor não tomar nenhuma medida no sentido da desfiliação para que isso não causasse nenhum alarde ou qualquer movimentação que pudesse prejudicar o rumo das investigações. No entanto, é necessário esclarecer que segundo informações da polícia essas pessoas não são vinculadas ao Escritório do crime, mas sim à milícia. Portanto, não está confirmado nenhum tipo de envolvimento com a execução da Marielle — disse.
Isabel lembrou ainda que, nesta terça-feira, o crime contra Marielle Franco completa mil dias. Por fim, admitiu que o fato de investigados por envolvimento com a milícia conseguirem fazer parte do partido é algo "desconcertante", e que a sigla "não tem controle absoluto sobre a nossa base de filiados"
— Amanhã (hoje, terça-feira), chegamos à marca dos mil dias do atentado político que assassinou a Marielle e o Anderson Gomes e até hoje não temos a finalização das investigações, que correm em sigilo. Então, é muito importante que a gente tenha muito cuidado ao tratar desse assunto, mas não alarmar a sociedade ou militância do PSOL com informações equivocadas. De fato, é uma notícia que nos incomoda bastante porque nós, como partido político comprometido ao longo da nossa história ao combate desses grupos paramilitares, para nós é muito desconcertante esse tipo de gente estar filiada ou vinculada ao PSOL. No entanto, pelo levantamento que nós fizemos eles nunca tiveram qualquer vínculo com o partido, nunca participaram de qualquer atividade com o PSOL. A gente preza muito pelos nossos limites políticos, ideológicos, a gente tenta ao máximo fazer um processo de filiação ao PSOL que passe por um processo de debate político dos nossos programas, mas a gente não tem controle absoluto sobre a nossa base de filiados.
Isabel Lessa concluiu, afirmando que, agora, serão buscadas medidas para que Laerte e Erileide sejam desvinculados do PSOL.
— A gente não tem como controlar exatamente todo mundo que se filia ao PSOL, apesar dos critérios políticos que a gente tem e que a gente vem reforçando ao longo dos últimos anos. E agora que isso veio a público estamos tomando todas as medidas cabíveis para que essas pessoas sejam desvinculadas ao PSOL, o que a gente ainda não tinha feito por cuidado e respeito às investigações.
De acordo com as investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público (Gaeco-MPRJ) e da Delegacia de Homicídios, Laerte era tido como um braço armado da milícia de Rio das Pedras. Mais do que isso, era um dos responsáveis pelo recolhimento e repasse à quadrilha das taxas cobradas aos moradores e comerciantes, assim como agia também no ramo da agiotagem. Sua mulher, Erileide, o ajudava a tocar os negócios ilícitos e com a contabilidade.
Num áudio interceptado pelos investigadores com autorização da Justiça, numa ligação feita por Laerte a outro membro da milicia, no dia 10 de outubro de 2018, ele relata ter acabado de atirar contra dois indivíduos de moto, apenas por não conhecê-los, por estar escuro no local e por eles estarem de capacete. Em várias outras conversas, ele aparece tratando dos negócios ilegais do grupo paramilitar, como cobrança de taxas.
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