Título: Narciso em férias (com Caetano Veloso)
Direção: Renato Terra e Ricardo Calil
Produção: Paula Lavigne (Uns Produções)
Cotação: * * * *
♪ Filme disponível na plataforma de streaming Globoplay
♪ Em determinada passagem do documentário Narciso em férias, Caetano Veloso não segura o riso ao ler documento do inquérito sobre a prisão do artista na manhã de 27 de dezembro de 1968.
O riso brota espontâneo quando Caetano se depara com o argumento de que, aos olhos dos agentes de repressão da ditadura do Brasil, ele era subversivo e desvirilizante. O adjetivo “desvirilizante” é a causa da risada que bem poderia ser de Irene, a irmã que inspirou o compositor ao criar a canção homônima de 1969.“Eu estou rindo, mas é sério...”, se apressa a esclarecer Caetano na sequência imediata do filme.
Diante das câmeras, está um artista que comove ao refletir sobre o Brasil tristemente risível da era do AI-5. Tristeza gerada pela consciência do qual grotesco e desumano era – é? – o país na mão de ditadores. Tanto que Caetano não segura o choro ao recordar o rasgo de humanidade do sargento baiano que quebrou o protocolo militar e deixou entrar na cela a então mulher do artista, Idelzuith Gadelha, a Dedé, para que o casal pudesse se ver e se tocar sem as grades.
O choro contido nos 54 dias de prisão também brota no filme quando Caetano revê as tais fotografias da Terra na revista Manchete – imagens que, dez anos depois, inspiraram a composição da canção Terra (1978).
Narciso em Férias pode se passar em apenas um ambiente, mas a viagem ao passado que o documentário percorre é muito forte. Caetano Veloso não só revisita o Brasil da ditadura militar como também relembra sentimentos contrastantes que mergulhou de forma profunda dentro de uma cela durante dois meses. Logo de início, é de se admirar a potência da história narrada por ele próprio, pois ela deixa claro que, para a experiência ser memorável para o espectador, basta ouvir.
E é isso o que é proposto ao longo de quase 1h30 de projeção. Caetano fala, se emociona, canta, relembra traços físicos de pessoas que conheceu durante sua prisão na ditadura... Ele faz tudo isso enquanto a câmera o acompanha intensamente: ora observamos o artista bem de perto, com o zoom em sua face, ora o plano deixa o protagonista de canto, como se ele fosse uma pequena figura diante de um paredão de cimento, frio e sem vida.
E é isso o que é proposto ao longo de quase 1h30 de projeção. Caetano fala, se emociona, canta, relembra traços físicos de pessoas que conheceu durante sua prisão na ditadura... Ele faz tudo isso enquanto a câmera o acompanha intensamente: ora observamos o artista bem de perto, com o zoom em sua face, ora o plano deixa o protagonista de canto, como se ele fosse uma pequena figura diante de um paredão de cimento, frio e sem vida.
Com uma mistura de bom-humor e assombro pelo o que viveu em 1968 e 1969, Caetano Veloso é um ponto de luz em meio a duras palavras sobre os métodos dos militares diante das incontáveis prisões e torturas durante o período pós-golpe. Ele só foi um dos milhares e, felizmente, teve um final feliz que carrega até hoje. Mas isso não tira o peso de sua prisão injusta, baseada em uma "fake news" muito antes do termo se tornar tão popular. Ver Caetano falar sobre seu período na prisão de forma mais emotiva do que agressiva certamente é um dos pontos mais marcantes do filme.
Narciso em Férias -- cujo título se conecta a uma de suas músicas e ao estado psicológico em que a vaidade se encolhe até esvanecer -- desnuda um Caetano Veloso disposto a mostrar ao mundo algo que nunca escondeu de si mesmo. Entre versos de Hey Jude, dos Beatles, e pausas emocionadas durante a leitura de transcrições dos interrogatórios feitos pelos militares durante seu processo de reclusão, o documentário transita entre duas vertentes: a de entregar ao espectador o exemplar de que a arte é uma forma de cura, e a de subir o patamar do que Caetano representa não só enquanto artista, mas também como um capítulo vivo de nossa história.
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