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Isabel critica Ana Paula

Isabel critica Ana PaulaA ex-jogadora de vôlei Isabel Salgado soltou uma carta pública destinada à também ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel, influenciadora digital da direita brasileira, criticando posicionamentos da ex-colega. Nesta semana, Ana Paula, que mora nos Estados Unidos, escreveu: “12% negros, 62% dos roubos, 56% dos assassinatos. Faça as contas”. Ela não explicou, no post, o que os números significavam.
“Talvez pelo fato de você ter se casado com um americano branco, você tenha sentido a necessidade de se alinhar a uma branquitude, que tem como uma de suas características principais a incapacidade de perceber o seu lugar de privilégio, uma branquitude que naturaliza o lugar de poder branco e torna a supremacia branca uma norma. Afinal, sabemos que ser imigrante por essas bandas daí não é muito fácil, ainda mais com um biotipo latino”, escreve Isabel, na carta.
Na última quarta-feira (3), Ana Paula postou vídeo em que uma mulher negra norte-americana acusa o movimento que tomou conta das ruas do país de ser hipócrita por não protestar quando negros matam negros. Ontem (5), publicou citação afirmando que o racismo é “mantido vivo por políticos, agitadores de raças e pessoas que têm uma sensação de superioridade chamando os outros de ‘racista’.
Isabel rebate afirmando que Ana Paula faz mal à luta contra o racismo. “Leia os historiadores, sociólogos, antropólogos, cientistas de várias áreas que discutem as formas e as consequências do racismo ou, pelo menos, demonstre um pouco de consciência diante do negacionismo e das barbaridades que estão acontecendo no Brasil. São tantas que se torna difícil destacar apenas uma. Se não consegue ter empatia diante da dor alheia, melhor ficar em silêncio. Usando as redes como tem usado, você presta um desserviço no processo de combate ao racismo”, escreve.
A carta na íntegra pode ser lida abaixo. A reportagem procurou Ana Paula e lhe ofereceu espaço para rebater o texto. No Twitter, ela publicou uma série de sete vídeos, que podem ser vistos ao fim desta reportagem.
Carta a Ana Paula Henkel,
Ana Paula, depois de ver algumas de suas postagens, tive vontade de te responder. Como nunca tive paciência para redes sociais, fui deixando passar. De mais a mais, não há como esquecermos o fato de que as redes estão aí para dar voz a todos: muitas pessoas fantásticas e muitos…. Esse é o preço da chamada democracia digital – que sempre deve ser debatida, é claro -, mas vamos ao que interessa no momento. Antes, preciso admitir também que sempre me senti constrangida quando lia as suas postagens.
É que o seu nome está ligado ao vôlei, esporte que pratiquei durante muitos anos e, infelizmente, muitas pessoas generalizam esse tipo de fala e me perguntam se as jogadoras de vôlei são, na sua maioria, de extrema direita. Nesses momentos, eu sempre tento explicar que você está longe de representar um perfil do vôlei feminino brasileiro. E que, na verdade, o vôlei, assim como a maioria dos campos profissionais e atividades, não pode ser enquadrado em algum perfil ideológico. Explico, também, para essas pessoas, que talvez pelo fato de você ter se casado com um americano branco, você tenha sentido a necessidade de se alinhar a uma branquitude, que tem como uma de suas características principais a incapacidade de perceber o seu lugar de privilégio, uma branquitude que naturaliza o lugar de poder branco e torna a supremacia branca uma norma. Afinal, sabemos que ser imigrante por essas bandas daí não é muito fácil, ainda mais com um biotipo latino.
Durante o período colonial, o psiquiatra Frantz Fanon explicou bem o surgimento e a formação desse desejo de identificação com o opressor entre muitos colonizados. Trata-se de uma neurose que o leva a um comportamento adoecido e alienado, por não conseguir lidar com a realidade que o cerca. A história nos ensina que o colonialismo acabou, mas ela também nos mostra que ele permanece com roupas neocoloniais. O vídeo que postou da jovem negra é exemplar de como permanece essa alienação.
Temos aqui no Brasil um exemplo caricatural desse comportamento desequilibrado: o presidente da fundação Palmares. Por isso, te sugiro prestar atenção ao que está acontecendo a sua volta. Existem muitas pessoas que não conseguem sair desse comportamento negacionista do racismo, que se manifesta de muitas formas e em muitos graus; da mais sutil negação à mais exacerbada patologia, que leva o sujeito dizer que a escravidão foi uma cirscustância benéfica para os negros, como fez o senhor Sérgio Camargo.
Você posta constantemente frases e ideias que destilam muito preconceito. Mas o seu último post foi a gota d’água e me chocou e revoltou pela profunda ignorância e irresponsabilidade. Sua falta de conhecimento a respeito do racismo e do que ele significa são atrozes. Infelizmente, o racismo existe no Brasil, nos EUA e no mundo, e muitas pessoas ainda são incapazes de enxergar uma realidade que grita com todos os pulmões. Se você quer usar dados estatísticos como argumentos, procure fontes sérias e não tendenciosas. Aí você vai entender que o racismo é um dado estrutural, que atua na política, na economia e na subjetividade, como explica tão bem o filósofo Sílvio Almeida.
Sua apologia ao governo Trump reflete muito mais o seu mal estar e quiçá o desejo de pertencimento a uma sociedade que você imagina respaldar apenas valores WASP, uma sociedade que precisou mostrar ao mundo as mais assustadoras formas de violência racial, até surgirem as primeiras grandes mudanças com Martin Luther King. Felizmente, o racismo não só empobrece o ser humano, mas também produz cada vez mais força e resistência. E é isso que está acontecendo nesse momento nos EUA, quando milhões de pessoas de todos os grupos étnicos se unem para demonstrar o seu repúdio ao racismo que ainda atinge sobretudo os negros.
Observe atentamente a sua volta e verá que, no momento atual, a sociedade americana parece estar no caminho de mais uma mudança e mais uma conquista no rumo da igualdade.
Peço que considere a responsabilidade de ser uma pessoa com milhares de seguidores também no Brasil. Preste mais atenção ao que diz, antes de postar sobre um tema tão sério. Leia os historiadores, sociólogos, antropólogos, cientistas de várias áreas que discutem as formas e as consequências do racismo ou, pelo menos, demonstre um pouco de consciência diante do negacionismo e das barbaridades que estão acontecendo no Brasil. São tantas que se torna difícil destacar apenas uma. Se não consegue ter empatia diante da dor alheia, melhor ficar em silêncio.
Usando as redes como tem usado, você presta um desserviço no processo de combate ao racismo.
Vidas negras importam!


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