BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu um inquérito contra a deputada Jozi Araújo (PODE-AP) por ameaça e lesão corporal pela suspeita de que a parlamentar teria mandado espancar um ex-cabo eleitoral que cobrava uma dívida de R$ 35 mil. O ministro Dias Toffoli acatou o pedido de investigação feito pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot e reiterado pela atual procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge. A defesa da parlamentar chama a acusação de “fantasiosa” e nega, inclusive, a existência de dívida. Ela também prestou queixa por ameaça contra o ex-cabo eleitoral.
A investigação contra a parlamentar tem como base um depoimento prestado por Noel dos Santos Almeida em 3 de novembro de 2015. Ele conta ter emprestado dinheiro para a deputada entre 2014 e 2015 e ter recebido três cheques sem fundos como pagamento. Após acionar a Justiça para receber, contou que em um encontro com a parlamentar no aeroporto de Macapá (AP) ouviu de um irmão dela, chamado Josevaldo, que “seus dias estavam contados”. Ele recebeu depois telefonemas de um advogado da parlamentar solicitando que levasse os cheques para receber o pagamento, mas recusou porque já tinha deixado os cheques com sua defensora. Três dias após o último contato feito pelo advogado teria ocorrido a agressão.
De acordo com o relato de Almeida, no dia 30 de setembro de 2015 ele foi abordado por volta das 19 horas por três homens encapuzados na porta de sua residência. Com uma arma apontada a sua cabeça, os homens pediam que entregasse os cheques. Diante da recusa, ele foi espancado e teve uma unha arrancada com um alicate.
“Colocaram uma arma em sua cabeça, o conduziram até uma construção ao lado de sua casa, e o torturaram; que bateram no declarante, que arrancaram uma unha do declarante com alicate, e que diziam que queriam os cheques; que o declarante falou que os cheques estavam com sua advogada, e os 3 (três) indivíduos encapuzados falaram que se 'você ficar falando muito, da próxima vez vamos amputar sua mão'”, registra o extrato do depoimento inicial de Almeida.
Ele só procurou a polícia depois de ter sido abordado 20 dias depois do episódio por um funcionário da deputada comentando sobre a agressão. Almeida disse que só tinha comentado o tema com sua mulher e não teria como o funcionário da parlamentar saber do ocorrido. Um laudo da Polícia Técnico Científica do Amapá, anexado ao inquérito pela defesa da deputada, comprova a existência de lesões no joelho de Almeida e a extração da unha, apesar de não apontar a evidência de tortura no caso.
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Depois de ter feito a acusação contra a parlamentar, Almeida diz ter mudado três vezes de cidade devido a ameaças. Foi primeiro para Fortaleza (CE), mas deixou a cidade após receber fotos de seu filho na creche com uma mensagem de ameaça de morte. Mudou-se, então, para Três Lagoas (MT), tendo saído desta cidade após vizinhos o alertarem sobre pessoas com sotaque parecido com o seu que o estariam procurando. Em julho deste ano residia em Curitiba (PR) e foi à Polícia Federal depois de ter recebido uma ligação na qual um homem dizia que caso a deputada perdesse o mandato o irmão de Almeida seria assassinado. Ele deixou o celular com a Polícia para que uma perícia possa comprovar essa última ameaça.
No pedido inicial da investigação, feito em maio deste ano, Janot afirma que “os fatos narrados são graves e merecem apuração, tendo em vista que a vítima alega ter sofrido lesão corporal, além das ameaças que persistem, cuja autoria imputa à única interessada para que a cobrança da dívida cesse: a deputada federal Jozi Araújo”.
Ao referendar o pedido de investigação, em outubro, Raquel Dodge afirma que há indícios suficientes para justificar a apuração. “A análise das informações coligidas demonstra a existência de diversos registros de ocorrência policial sobre os fatos, bem como a realização de exame de lesão corporal, cuja cópia do laudo foi juntada aos autos pela própria investigada. Assim, não obstante as alegações da parlamentar, verifica-se que há indícios de prática delitiva, não elididos pela manifestação de fls. 28/49, não se justificando, portanto, o arquivamento dos autos sem a devida apuração dos fatos”, afirma a nova PGR.
Na sua decisão, de 25 de outubro, Toffoli diz ser “inviável” arquivar o caso sem abrir uma apuração. “Inviável, por ora, como bem salientado pela Procuradoria-Geral da República, o arquivamento do inquérito por falta de justa causa, diante da existência de base empírica idônea mínima para a deflagração das investigações. Não há como se coarctar, no nascedouro, as investigações sobre eventuais ilícitos penais atribuídos, em tese, à investigada, sob pena de indevida interferência na formação da opinio delicti do titular da ação penal pública. Diante de sua pertinência e relevância para as investigações, defiro as diligências requeridas pela Procuradora-Geral da República”, afirma o ministro. Ele determinou a realização de um novo depoimento de Almeida, além da oitiva de mais seis pessoas. Solicitou ainda às autoridades policiais do Amapá e do Paraná sobre procedimentos relativos ao tema instaurados nestes estados.
DEFESA FALA EM ACUSAÇÃO “FANTASIOSA”
Em manifestação entregue ao Supremo, a defesa da parlamentar sustenta que a acusação é “fantasiosa”. “O fato, Excelência, é que o noticiante tenta, sem êxito, valer-se de um simples desacordo contratual, para fundamentar fantasiosa estória, que gravita em tomo de crimes graves como lesão corporal e ameaça, mas que não resiste a singela analise do conteúdo carreado aos autos do inquérito”, diz texto assinado pela advogada Laura Figueiredo.
A defesa sustenta que Almeida teria atuado como “militante” na campanha, não tendo sido contratado efetivamente. A parlamentar questiona a autenticidade da assinatura nos cheques. Sustenta não ter contraído qualquer empréstimo e diz ter sofrido “constrangimentos e ameaças” de Almeida. Para comprovar essa acusação entregou mensagens que lhe teriam sido enviadas por Almeida. Umas delas afirma: “vou convocar uma galera pra pegar você lá no aeroporto, você vai ver”. A defesa afirma que o pedido de investigação e a repercussão do caso no estado atrapalham os planos políticos da parlamentar.
“Assim, as inverdades e fantasias contadas pela noticiante e expostas irresponsavelmente pelos meios de comunicação têm esfacelado reputação construída ao longo de uma vida de integridade, trazendo a reboque total descrédito da indiciada perante o seu eleitorado e toda a população de seu estado”, diz trecho da peça.
A deputada anexou ao processo também uma queixa prestada por ela junho deste ano contra Almeida por ameaça. Neste depoimento, prestado à Polícia Federal no Amapá, ela afirma que Almeida “supostamente furtou” os três cheques que originam a cobrança judicial da dívida. Relata também as ameaças que diz ter recebido no ano de 2015. Ela procurou a polícia quando Janot já tinha pedido a investigação. Sua justificativa foi que em um programa de rádio do Amapá dias antes o ex-cabo eleitoral afirmou ter entregue R$ 6 mil ao ex-marido da deputada. Em seu depoimento, ela diz que “acredita que Noel esteja realizando esta tentativa de extorsão por cunho político”.
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