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Comunidade quilombola do Rio de Janeiro sofrer ameaças

Comunidade quilombola do Rio de Janeiro sofrer ameaçasPara chegar ao sítio onde Edevaldo da Conceição nasceu e mora há mais de 40 anos, é preciso pegar duas estradas de chão estreitas e esburacadas, em Mangaratiba. 

O caminho não é o único obstáculo. É preciso ter autorização — quase sempre negada — de seguranças numa guarita com porteira instalada pela Ecoinvest Desenvolvimento Empresarial Ltda., perto da Rodovia Rio-Santos. Edevaldo e seus vizinhos são filhos, netos e bisnetos de ex-escravos da comunidade quilombola das fazendas Santa Justina e Santa Izabel, uma das 36 certificadas pela Fundação Cultural Palmares no estado. Eles vivem em área limítrofe ao condomínio Portobello, onde o ex-governador Sérgio Cabral tem mansão. E, no meio de uma disputa por terras, ainda lutam por liberdade.
Apesar de torres de alta tensão atravessarem a região, a maioria das 54 famílias do quilombo não têm eletricidade, segundo elas, porque a empresa que construiu a guarita não permite a entrada da concessionária. Em dezembro, os vigias barraram pesquisadores do IBGE que faziam o censo agropecuário. E negaram acesso a equipe do jornal, avisada que só ingressaria na comunidade com permissão obtida num escritório de Mangaratiba.
Comunidade quilombola do Rio de Janeiro sofrer ameaças

Moradores denunciam que parentes, amigos ou conhecidos que tentam visitá-los sofrem bloqueio semelhante. Até funcionários da prefeitura em serviço são interceptados. E quando a mulher de Edevaldo estava em trabalho de parto para dar à luz sua filha mais nova, de 1 ano e 4 meses, a ambulância foi impedida de buscá-la.
— É como se ainda vivêssemos na escravidão. Estamos isolados, sem nossos direitos. Nem saímos à noite, com medo, porque recebemos ameaças. Um segurança disse que colocaria uma corda no meu pescoço e apertaria — conta a mulher de Edevaldo, Simone da Conceição Marques, de 37 anos.
Edevaldo diz que, quando iniciou uma obra em casa, um vigilante disse que estava proibida qualquer construção na propriedade. E, ao contestar, o quilombola se viu com uma arma apontada para seu peito.
— Ele sacou a arma. Minhas duas filhas adolescentes entraram na minha frente — relata Edevaldo, que vive da agricultura familiar.
Investigação federal já foi aberta
Para apurar as denúncias, o Ministério Público Federal em Angra dos Reis instaurou um inquérito civil em dezembro. No dia 15 daquele mês, com a delegacia da Polícia Federal (PF) de Angra, fez uma diligência na área das fazendas, onde colheu depoimentos e fotografou o local, como a barricada perto da RJ-149. E foi só acompanhando a ação que a equipe de reportagem conseguiu chegar às casas dos quilombolas.
Normalmente, só uma van que escolar pode entrar nas propriedades; mas, naquela sexta-feira, foi autorizado o acesso de um carro da Cedae, um da prefeitura e, finalmente, o retorno dos pesquisadores do IBGE, que confirmaram à polícia que, dias antes, tinham sido barrados.
Denúncias na Assembleia Legislativa
As denúncias também chegaram à Alerj. No dia 10, num encontro com representantes da comunidade, o deputado estadual Gilberto Palmares (PT) disse que convocaria uma audiência pública sobre o assunto. E ressaltou que situações parecidas já ocorreram em outras áreas do estado.
— Em 1999, eu era secretário de Trabalho, e chamamos a polícia para entrar na fazenda Machadinha, em Quissamã — lembrou, dizendo que os sócios da Ecoinvest serão convocados para a audiência.
Anúncio na internet e barricada
Comunidade quilombola do Rio de Janeiro sofrer ameaças
Na internet, um anúncio de outubro de 2016, colocava à venda as fazendas Santa Justina e Santa Izabel. Entre os atrativos, citava a fartura de cachoeiras e nascentes, a proximidade do Porto de Itaguaí e de redes de hotéis e condomínios de luxo. E acrescentava: “Utilização: complexo industrial, hotel de luxo, condomínio de alto nível, marina, campo de golfe, etc.” Mas não citava a presença dos quilombolas nem a demarcação para titulação das terras em favor dos descendentes de escravos.


Num outro acesso foi instalada uma barricada. Foto: Domingos Peixoto

Na década de 1920, ex-escravos passaram a trabalhar nas plantações de banana das fazendas de Victor Breves, várias vezes prefeito de Mangaratiba. Por décadas, os negros se estabeleceram em roças em volta das sedes da Santa Justina e Santa Izabel. Quando os Breves faliram, restou a produção dos colonos.
Há cinco anos, as terras, em processo de desapropriação pelo Incra, foram vendidas para a Ecoinvest. No acesso pela Rio-Santos, foi erguida a guarita. Uma segunda entrada perto da RJ-149 (Mangaratiba-Rio Claro) foi fechada com pedras. A associação de moradores dos quilombolas diz que eles são obrigados a escoar sua produção só pela porteira da rodovia federal, onde têm de deixar para o encarregado das fazendas 10% do que vendem.
— Eles vivem em regime de escravidão. Não é permitida a entrada de material para obra nas casas. Dona Maria, de quase 100 anos, mora sob teto de lona. Se os moradores chegam com bolsas de compras, são revistados — conta Ivone Bernado, presidente da Associação Estadual de Quilombos do Rio.
Idosos vivem acuados nas terras
Idosos que nunca moraram fora das fazendas vivem acuados. Manuel Gonçalves, de 77 anos, tem casa ao lado das ruínas de uma antiga senzala. O único bem que quer, diz ele, é sua liberdade:
— Meu pai e eu trabalhamos anos na fábrica de bananada e doce de leite da fazenda. Quando a empresa faliu e eles não tinham como indenizar, nos deram esse pedaço de terra. Antes, tínhamos liberdade aqui, as porteiras não tinham vigias. Agora, vivemos igual a escravos.
Já para Vicente Victor, presidente da associação de moradores, as dificuldades para viver ali são como expulsar os remanescentes das terras. Muitos já deixaram suas casas. Mas a maioria continua plantando nos sítios.
Empresa procurada
Em dezembro, na porta do escritório da Ecoinvest, na Av. Rio Branco 123, Centro do Rio, em vez do nome da empresa, havia o da Consultoria de Mineração Internacional Ltda., cujos donos são os mesmos: Klaus Helmut e Jessica Schweizer e Pedro Paulo Meyers. Um homem, que seria um dos sócios, disse que não falaria com a imprensa. Ao saber de que assunto se tratava, afirmou que depois entraria em contato. Até o fechamento desta edição, não o fez.

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